terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Uma reafirmação do princípio da incerteza


LIÇÃO 17

Eu não vejo nenhuma coisa neutra.

1. Esta ideia é outro passo na direção da identificação de como causa e efeito operam realmente no mundo. Tu não vês nenhuma coisa neutra porque não tens nenhum pensamento neutro. É sempre o pensamento que vem primeiro, apesar da tentação de se acreditar que é o contrário. Não é deste modo que o mundo pensa, mas tens de aprender que é deste modo que tu pensas. Se não fosse assim, a percepção não teria nenhuma causa e seria, ela mesma, a causa da realidade. Em virtude de sua natureza altamente variável, isto é muito pouco provável.

2. Ao aplicares a ideia de hoje, dize a ti mesmo, de olhos abertos:

Eu não vejo nenhuma coisa neutra porque não tenho nenhum pensamento neutro.

Em seguida, olha a tua volta fixando teu olhar sobre cada coisa que observares por tempo suficiente para dizer:

Eu não vejo um(a) ____________ neutro(a), porque meus
pensamentos sobre ____________ não são neutros.

Poderias dizer, por exemplo:

Eu não vejo uma parede neutra, porque meus
pensamentos sobre paredes não são neutros.

Eu não vejo um corpo neutro, porque meus
pensamentos sobre corpos não são neutros.

3. Como de costume, é essencial não fazer nenhuma distinção entre o que acreditas ser animado ou inanimado, agradável ou desagradável. Independente daquilo em que possas acreditar, tu não vês nada que seja verdadeiramente vivo ou alegre. Isto é porque ainda não estás ciente de qualquer pensamento realmente verdadeiro e, portanto, realmente feliz.

4. Recomenda-se três ou quatro períodos específicos de prática e pede-se não menos do que três para o máximo aproveitamento, mesmo que experimentes resistência. No entanto, se experimentares, a duração do perído de prática pode ser reduzida para menos do que o minuto aproximado que recomenda caso contrário.

*

COMENTÁRIO:

A ideia que o Curso apresenta para nossas práticas nesta terça-feira, dia 17 de janeiro, complementa e, de certa forma, estende o alcance da ideia que praticamos ontem. Traz consigo uma oportunidade nova para dar sequência ao processo de abandonar a crença de que podemos ser imparciais, neutros, em relação a qualquer coisa neste mundo. É, eu diria, uma reafirmação do princípio da incerteza que nos deu Heisenberg, ao concluir que todo observador afeta os resultados da experiência que faz e que, por consequência, os resultados de uma experiência qualquer não podem ser indicadores da neutralidade. Isto é, são sempre subjetivos. Pois não existe um observador objetivo. Nada mais lógico, uma vez que o observador traz consigo uma longa carga de referências emocionais que o ligam aos objetos de sua pesquisa.


Como já disse antes também, a ideia para as práticas de hoje serve para nos chamar a atenção para o fato de que rara e dificilmente somos capazes de ver as coisas de forma imparcial ou neutra. Isto é, sem tomar uma posição. Ninguém nunca nos ensinou que o mundo - e as coisas nele - é neutro.Por isso não nos sentimos capazes ver as coisas, as pessoas, as situações como neutras. Quase nunca. Pois todos os nomes que damos a elas estão quase que invariavelmente carregados de um conteúdo emocional, que vem de muito longe no tempo. 


As palavras que aprendemos a usar para exprimir nosso conhecimento do mundo e para nos referirmos às coisas todas do e no mundo, seja qual for a língua em que aprendemos a usá-las, são quase sempre carregadas desse  conteúdo emocional que, em geral, não podemos ver. Um conteúdo emocional que não pode ser transmitido. Isto é, quando usamos qualquer palavra, a pessoa que nos ouve pode não ter a menor ideia do significado que ela tem para nós. Da mesma forma que nós não somos capazes de identificar a carga emocional que há em uma palavra utilizada por alguém para se referir a alguma coisa.  Tanto é assim que qualquer palavra comum e simples como, por exemplo, caneta pode despertar milhões de lembranças diferentes, para o bem ou para o mal, para a alegria ou para o desconforto em cada uma das pessoas a quem ela for dita.

Muitas vezes não nos damos conta do que há por trás de determinadas palavras que dizemos ou de expressões de que nos valemos para comunicar algum fato ou alguma circunstância de que fomos testemunhas. Outras, a partir da reação das pessoas com quem falamos, somos surpreendidos com a acusação de preconceituosos, de parciais, de "puxar a brasa" para nosso próprio assado ou de buscar favorecer um lado em detrimento de outro e por aí afora. Sem perceber que o preconceito vem de longe, das experiências vividas por tais pessoais com tais palavras e expressões. Outras vezes ainda somos nós mesmos a reagir "mal" a uma palavra ou expressão que ouvimos.


Não é, pois, à toa que a linguagem é algo vivo, algo que muda constantemente para, nalguns casos, retirar a carga que determinadas palavras e expressões trouxeram consigo ao longo do tempo desde que são usadas. Daí a importância de dedicarmos nossa atenção a cada uma e a todas as coisas que vamos escolher usar durante o exercício. Cada uma delas traz em si a possibilidade de nos abrir os olhos para o fato de que não existe nada no mundo a respeito de que possamos nos considerar neutros.

Como já disse anteriormente a respeito desta ideia, aprendemos desde sempre a atribuir qualidades a tudo o que vemos e até àquilo que ainda não vemos ou conhecemos, muitas vezes. Ou já não ouvimos dizer - ou nós mesmos já não dissemos - "não vi e não gostei"? Ou, quando respondemos a alguém que nos oferece algo novo para experimentar - "não, nunca experimentei, mas não gosto". Isto pode, de alguma forma, ser exemplo de neutralidade?

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